Paisagem Protegida

Paisagem Protegida

(© Peter Scholten)

Nos anos 80 e 90, a International Union for Conservation of Nature (IUCN) relaciona o contexto europeu de paisagem com uma longa história de humanização e profunda transformação, o que faz com que, no sentido pristino, as paisagens naturais fossem quase que inexistentes, sendo as mais apreciadas aquelas que são fruto da ação equilibrada do Homem sobre o território natural. Nesta perspetiva, passou a ser reconhecido o ambiente humanizado como objeto de políticas de conservação e sustentabilidade, “(…) sendo o Homem visto como um, entre vários fatores de perturbação ambiental que, em conjunto, contribuem para a dinâmica de todo o sistema” (IUCN, et al. 1980).
Definiu-se assim que, a construção da Paisagem trata-se de um produto síntese da interação espacial do Homem com o Ambiente, em toda a sua heterogeneidade e criatividade.

Neste prisma, a área classificada como Paisagem Protegida do Cabo Girão, categoria V da IUCN, criada para salvaguardar e valorizar o património cultural no território, onde a interação das pessoas com a natureza, tem produzido uma área de carácter distinto com grande valor estético e cultural (material e imaterial). Objetiva-se a preservação da integridade desta interação tradicional, vital para a proteção, manutenção e evolução daquela área que engloba os terrenos agrícolas das Fajãs, delimitada pelo Boqueirão a Este e a Oeste pela Ribeira da Quinta Grande.

Embora a tendência regional de abandono do sector agrícola, nas fajãs dos Asnos e Bebras não existem indícios de abandono. Nas principais fajãs do Cabo Girão, todas as parcelas estão cultivadas, com a presença assídua de agricultores na manutenção dos seus terrenos. Contudo, existem evidências a Oeste da APCG do abandono de uma pequena fajã (sem denominação) apenas com acesso de mar, onde os muros de pedra aparelhada e a vereda escavada na rocha dão indícios de apropriação de outros tempos.

(© Valdemaras D.)

A Paisagem Protegida do Cabo Girão, primeiro estatuto de proteção da paisagem na região, enaltece o esforço herculano dos primeiros colonos na adaptação às condições geomorfológicas das isoladas fajãs. Esta classificação faz referência a um património cultural protegido de âmbito material/construído (pois, muros, levadas) e imaterial, muito relacionado com as vivências e práticas tradicionais herdadas das gentes do Cabo Girão.

De facto, a agricultura é uma das forças motrizes da paisagem madeirense, materializando esta atividade uma importante vista em socalcos. Os socalcos são suportados por muros de pedra aparelhada, tradicionalmente utilizados na agricultura para suporte das terras e divisão de terrenos. São construídos pelo encaixe cuidado das pedras no estado em que se encontram no local, a chamada técnica de alvenaria de pedra natural (Silva, 2011). Estes tradicionais muros de pedra aparelhada, além de refletir ideias de sociabilidade com o território, servem de abrigo à algumas espécies biológicas de fauna e flora, como é exemplo a emblemática Lagartixa-da-Madeira (Teira dugesii).

Para além destes, persistem ainda várias edificações de apoio à atividade agrícola, construídos estrategicamente junta à arriba, estando assim protegidos dos episódios gravíticos de queda de blocos. Destinam-se sobretudo ao armazenamento de materiais e produtos agrícolas, mas também, ao abrigo de animais e ao armazenamento de água para rega (poços).
É ainda comum encontrarmos junto dos edificados de apoio agrícola, grandes quantidades de canavieira, que são utilizadas tradicionalmente para montar um sistema de estacas, que suportam culturas como o feijão verde.

No passado, o abastecimento de água de rega nas fajãs do Cabo Girão fazia-se através de levadas escavadas na encosta, com elevadas perdas de água e enormes dificuldades de manutenção. Atualmente o abastecimento de água é realizado através de um conjunto de tubos colocados manualmente do topo da arriba, onde existe um reservatório de abastecimento no sítio Facho sustentado a partir da Levada do Norte.

Dados recentes (2020), registam uma área total de produção agrícola de 5,3 hectares, repartidos entre culturas temporárias (2,26 hectares), culturas frutícolas (3,09 hectares) e vinha (0,05 hectares). Tomate, batata doce e feijão verde são hortícolas de referência desta área.

O isolamento das fajãs, oferecido pela arriba, impediu a mecanização da agricultura, fazendo com que as práticas agrícolas tradicionais persistissem até hoje no Cabo Girão. Esta paisagem em terraços multifuncionais garante a conservação da biodiversidade, bem como a preservação da água e do solo. São o resultado da coevolução do ambiente físico, mudanças sociais e dinâmica económica de longo prazo (Brunori et al. 2018).

(© sem registo de autor)

Notas de rodapé

1 Vieira, Alberto. (2017). A Paisagem Madeirense. Jornadas da Paisagem. Funchal.

2 Lourenço, Luciano et al. (2006). Projecto Terrisc - Recuperação de paisagens de socalcos e prevenção de riscos naturais. Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

3 Silva, João Baptista Pereira. (2011). Pedras que falam – Muro na paisagem. Documentário. RTP-Madeira.

4 Brunori, Elena; Salvati, Luca; Antogiovanni, Angela; Biasi, Rita. (2018). Worrying about “Vertical Landscapes”: Terraced Olive Groves and Ecosystem Services in Marginal Land in Central Italy. Sustainability (2018), 10, 1164.